quarta-feira, 11 de março de 2009

Relato de Parto

Caetano veio ao mundo neste ano, no dia de São Pedro - 29 de Junho de 2008 - e seu nascimento foi a coisa mais especial que já me aconteceu.
Minha gravidez foi pra lá de tranqüila, uma gravidez de livro. Tudo aconteceu bem certinho, e eu me senti muito bem até os últimos dias. Isso para mim já era motivo de muita comemoração, pois por motivos que não compreendo perfeitamente sempre carreguei uma auto-imagem carregada de fragilidade, em especial no que diz respeito à minha saúde reprodutiva. Talvez isso se deva aos ovários policísticos que sempre tive e que nunca permitiram que minha menstruação viesse minimamente regulada. E sabe aquela coisa “mulher parideira tem o quadril largo, mulher de bacia pequena não dá conta de parir”? Nossa, isso me atormentou por um tempo. Eu toda magrinha, toda fininha...”parto normal, será que consigo?” eu pensava com meus botões. Por isso tudo, acreditar na minha capacidade de parir naturalmente teve de ser resultado de um processo interno muito intenso, que tratou de me desvencilhar desta auto-imagem e de tratar minha gravidez e parto como trato todas as outras dimensões de minha vida: de forma natural, pouco intervencionista e com muito pensamento positivo.



Apesar desta “fragilidade” que me acompanhou toda a vida, o duelo cesárea x parto normal nunca foi uma questão para mim. Sou a segunda de 4 irmãos. Todos nascidos de parto normal e amamentados por tempo relativamente prolongado. Cresci ouvindo as estórias de minha mãe sobre seus partos...sempre com um tom de militância a favor do parto normal: o do meu irmão mais velho que foi longo e um pouco difícil e o meu e de meus outros irmãos que foram bem mais tranqüilos. Estava disposta a lutar muito por um parto normal.
Sou natural de São Paulo, nasci e cresci na grande metrópole, mas me mudei para o interior quando entrei na faculdade. Passei no vestibular e me mudei para Barão Geraldo, um distrito na cidade de Campinas. Como é de se imaginar, as opções para quem planeja um parto normal (quiça natural) são pouquíssimas em Campinas. A grande maioria dos médicos são cesaristas, disso não tenho a menor dúvida. Mas para a surpresa de muitos, o hospital da Unicamp atende pelo SUS as gestantes que buscam fazer parto de cócoras. Trata-se de um grupo formado e liderado pelo médico obstetra Hugo Sabatino, há mais de 30 anos. As reuniões do grupo acontecem 2 vezes por semana e o pré-natal e o parto são realizados no CAISM (centro de atenção integral à saúde da mulher). Confesso que minha vontade maior era a de engrossar o time das parturientes domiciliares. Apesar de todo o contexto do grupo de cócoras eu tinha muito medo do hospital, não gostava dos ambientes, do tom de alguns residentes e por aí vai...mas não poderíamos deixar de notar a nossa total falta de grana naquele momento. Eu, recém-ingressa no mestrado, sem garantia alguma de bolsa de estudos e o Allan (o marido e pai), escrevendo sua tese de doutorado, também sem nenhuma renda fixa. Reservas? Poupança? Necas. Uma pindaíba só. Meus pais chegaram a me oferecer dinheiro, sob uma pequena cláusula: que o parto seja aqui em São Paulo, no São Luis, do nosso ladinho. “Na-na-ni-na-não!”. Não era isso que queríamos. Eu chego a me arrepiar quando penso no luxo e nas diferenciações que permeiam os hospitais particulares, os hospitais-hotéis. Se não dá para o Caetano nascer em casa, ele vai nascer no hospital da Unicamp. E ponto final. Estava decidido.


Começamos a freqüentar as reuniões do grupo do cócoras e foi muito bom. Relatos de parto, dinâmica de casal, yoga, palestras etc...E enquanto isso meu pré-natal seguia normalmente. Escolhi a Fabi para ser minha doula. Nós já éramos boas amigas antes da minha gravidez. Com ela tive aulas de Yoga e fizemos alguns encontros. Recebi da Fabi um acompanhamento muito especial, muito querido.


Agora, adentremos na gravidez de fato.
Como disse anteriormente, tudo corria na mais perfeita ordem. Não perdi nada de sangue, água, não senti contrações antes da hora. Uma única coisa nos encabulava. Caetano parecia sempre se manifestar no último momento “que tinha”. Se as mães costumam sentir seus bebês chutarem até a 26º semana, senti o pequeno chutar no primeiro dia da 27º semana. Se eles assumem apresentação cefálica até a 36º semana, Caetaninho o fez no último dia “que tinha”. Achávamos isso muito curioso. Pensávamos ser coisa da sua personalidade. “Esse menino vai ser tranquilãããão”. Filho de quem é, não era difícil ser mesmo.
Quando estava com umas 30 semanas de gestação, me lembro dos médicos acharem minha barriga pequena demais. A minha altura uterina não condizia com a idade gestacional. Comecei a ficar preocupada. Um dia fomos à consulta e eu sai de lá com uma guia para ultrassonografia que dizia “hipótese diagnóstica: RCIU”. “Meu deus, que cargas d'agua é RCIU?!”. Fomos à internet, pesquisamos e encontramos. “Retardo de Crescimento Intra-uterino”. Nome horroroso. Eu mesma nasci pequenina, com uns 2,8 kilos, o Allan também, com uns 2,9. Mas mesmo assim restava um pouco de preocupação. Fomos à ecografia, e estava tudo ok. Ouvi do residente: “Seu bebê está perfeito. Ele é perfeito e pequeno”. Uau. Genial. Palmas para ele. Quer dizer que antes mesmo de se perguntar se o bebê tem motivos para ser pequenininho, eles já partem do princípio de que seu crescimento está retardado? “Sim. Aqui você é apenas mais uma, se seus dados não se encaixam na nossa média geral, algo deve estar errado. Todos os nossos procedimentos gerais estão acima da sua condição individual”.


A “demora” do Caetano em assumir posição cefálica também foi outro motivo de bastante preocupação. É claro que num hospital como o CAISM não se faz parto normal com bebê pélvico. É cesárea na certa. Durante as semanas em que ele não virou eu via nitidamente o meu parto normal indo para as cucuias. Eu ainda poderia tentar manobras externas, que somente o Dr. Hugo faz no hospital, mas eu tinha bastante receio, pensava que o Caetano, se ainda não virou é porque tem seus motivos. “Vai ver seu cordão é curto ou sei lá o que”. Achava que as tais manobras poderiam ser invasivas demais, muito autoritárias. Preferia tentar um parto normal pélvico, mas neste caso todos os nossos planos teriam que ser alterados. E eu não sei como seria. Fiz acupuntura, muito exercício de yoga, ficava de ponta cabeça por muito tempo, todos os dias. E nada. Até que um dia comprei um bastão de moxa e o Allan aplicou em mim. Durou uns 40 minutos e ele aplicou num só ponto: no topo do dedo mindinho do pé. Durante a sessão eu sentia o Caetano se mexer bastante. Até que uma hora após a aplicação, eu fui me virar de lado na cama e senti um movimento bem forte, que percorreu minha barriga toda, pela lateral. “Ele virou! Ele virou!”. A alegria foi total. Víamos novamente o dia do nosso parto de cócoras e o Allan ficou todo orgulhoso de ter feito a moxa que ajudou seu filho a virar. Depois disso, toda vez que eu abaixava o tronco (para escovar os dentes, por exemplo) sentia uma bolota bem embaixo, e pensava “Agora sim! Isso é que é um bebê em apresentação cefálica!”, fora os chutes que comecei a sentir no canto superior da barriga.


Passando por estes pequenos percalços, mal sabia eu que meu grande desafio ainda estava por vir. No CAISM, qualquer gestante que chegue a 41 semanas sem trabalho de parto passa por uma indução de parto. E isso eu também não queria de jeito nenhum. Eu tinha planos de passar meu trabalho de parto em casa, com a ajuda do Allan e da Fabi, e de chegar no hospital com um dilatação já bem avançada. Não conseguia imaginar um trabalho de parto no hospital, numa sala minúscula, em cima de uma maca, não sabia se eu teria acesso a um chuveiro, se poderia caminhar, variar de posição...fora as chances enormes de cair numa cesárea após uma indução equivocada. E então começa a novela.
38 semanas e nada. 39, nada. 40, nada. 41, e nada. Foi muito difícil. Toda a minha tranqüilidade ameaçava ir embora quando eu acordava e entendia que Caetano ainda não queria vir ao mundo. O hospital queria de todo jeito me colocar para indução. Eu sofria uma pressão horrorosa, por parte dos médicos e em especial por parte dos meus pais. Até hoje sinto que não cicatrizou o machucado que ficou daqueles dias. Na minha última consulta pré-natal (41 semanas e 1 dia), a médica tentou de toda forma me convencer a ficar no hospital. Não autorizei a indução e voltei para casa com uma guia de internação feita por ela, para dali a dois dias. Foram dois dias bem longos. Meus pais me ligavam a todo instante, desconfiando do meu comportamento e falando comigo como se eu fosse uma louca, uma irresponsável. Eu sabia que estava tudo bem. Caetano se mexia muito e eu fazia cardiotocografia dia sim dia não, há pelo menos uma semana. Ele estava ótimo, mas mesmo assim, depois de um determinado momento eu cedi. A pressão era tanta que não agüentei. Entreguei os pontos e fui para o hospital (41 semanas e 3 dias). Eu me sentia péssima, me sentia coagida, uma covardona. Fui tomada pelo medo, pela ansiedade e deixei de me ouvir. Minha mulher selvagem berrava e eu me fazia de surda. Mas o anjo da guarda do Caetano já trabalhava antes mesmo dele nascer: não havia vagas no hospital. Me emociono muito com essas lembranças. Cheguei, passei pela triagem e ouvi de um residente: “Mariana, hoje estamos com problemas de leitos disponíveis, daremos prioridade para casos mais urgentes do que o seu” (ué, cadê a urgência do meu caso? A situação de risco absurda na qual eu havia me metido?). Fui analisada por uma médica. Eu já estava com 3cm de dilatação e ela fez um descolamento de membrana. Viu também que o líquido amniótico permanecia clarinho. Voltei para casa radiante, muito feliz. E no meu bolso, claro, uma guia de internação para o dia seguinte. Mas dessa vez eu não voltei. Levei um chocalhão e entendi aquilo como uma segunda chance. Resolvi aproveitá-la por inteiro. Eu sentia nitidamente (tanto no plano físico como no plano emocional) que o processo estava andando. Eu já havia dilatado 3cm e estava perdendo tampão regularmente, um pouquinho por dia. Caetaninho continuava se mexendo muito. E assim, passaram-se mais 4 dias até que eu entrasse em trabalho de parto. Claro, foram 4 dias longuíssimos. Eu oscilava entre a tranqüilidade e o desespero. O telefone eu já não atendia. Para agüentar firme e forte, tive muito apoio das maternas, minha irmã chegou de São Paulo para nos ajudar e a Fabi me levou para conhecer a Leyla, uma outra mulher muito querida, que é doula e que possui aquele aparelhinho que capta os batimentos do bebê. Ela ouviu, conversou com a gente e nos tranqüilizou muito. “É uma questão de poucos dias. Você já está com dilatação e está tendo contrações reguladas e fortes, apesar de indolores. O coração dele está ótimo. Tenha paciência”. O Allan também foi maravilhoso neste processo todo. Dono de uma calma muito sábia e de um abraço forte e quente. Passaram-se mais dois dias e nada. Nessas horas é muito difícil manter a calma. Eu conversava muito com o Caetano e tentava entender quais os motivos que travavam o meu trabalho de parto, eu acreditava fortemente que tais motivos residiam em mim, em algum lugar da minha psiquê...provavelmente ao lado dos meu medos e das minhas fragilidades. Também sentia a falta de uma equipe médica que me apoiasse. Isso certamente teria me ajudado muito e teria calado os meus pais. Após 2 dias (41 semanas e 6 dias) eu fui ao encontro das maternas campineiras na casa da Ana Paula. Ela me disse ao telefone “vem tomar uma ocitocina aqui em casa!”. Quando eu cheguei, ela me olhou e soltou “essa barriga não tem 42 semanas”. Ouviu o coração do Caetano e concluiu o que eu já sabia. “Ele está ótimo”. Saímos de lá bem tranqüilos.


Para aquele mesmo dia, havíamos marcado uma sessão de acupuntura com a Dorothe, famosa por induzir partos com suas agulhas. A sessão foi bastante longa e um pouco dolorida. Nesta mesma noite um tio me ligou de São Paulo, e eu, por descuido, atendi o telefone. A discussão foi fortíssima. Eu nunca havia falado daquela maneira com ninguém. Estava achando toda aquela cobrança o maior absurdo do mundo, eu me sentia desmerecida, desrespeitada. Um total desrespeito por mim e pelo Allan, que somos os responsáveis por essa criança e que arcaríamos com todas as conseqüências de nossas escolhas. “Engulam suas indignações! Eu não tenho nada a ver com elas! Não somos loucos, imbecis ou irresponsáveis! Me deixem em paz!!!”. Do lado de fora da conversa, os olhos preocupados do Allan e de minha irmã, que talvez achassem que aquela discussão fosse me derrubar, fosse me deixar mal. Ledo engano. De uma forma que nem eu esperava, sai daquela discussão muito fortalecida. Era como se ali eu tivesse cortado uma dependência que carrego a tempos de minha família. Não falo de dependência financeira ou material, mas sim de uma dependência afetiva. Uma coisa que me fazia sentir culpada cada vez que eu discordava de minha mãe, cada vez que eu a chateava ou optava por algo que ela não optaria. Culpa é a palavra. Como formar uma família saudável se esse tipo de laço não é cortado? Se eu não falasse “basta!” (para mim mesma) como é que seria daqui pra frente? Meus pais no controle da educação do Caetano? Da alimentação, das condutas médicas? Não poderia ser. Meus valores são outros, meu universo é outro. E eu tenho que criar meu filho de acordo com aquilo que eu acredito, eu e o pai dele. Agora é diferente. Uma hora tinha que acontecer. Eu formei minha família e por ela sou responsável. Quanto a isso, não devo satisfação a ninguém. Não mais.
Como não poderia ser diferente, tive essa discussão com meu tio (que acabou pagando o pato da família toda) e, exausta, fui dormir. E então, entrei em trabalho de parto, é claro. Meu filho já podia vir, sua família já tinha nascido. Senti as primeiras contrações às 2:00 da madrugada. Antes disso, eu fui ao banheiro muitas vezes, meu intestino estava muito solto. Não restavam dúvidas de que era mesmo trabalho de parto. A partir daí foi puro deleite. Curti muito meu trabalho de parto. Foi uma experiência maravilhosa de entrega e de muita alegria. Logo de início as contrações vieram com uma dor considerável, era difícil relaxar totalmente ou dormir nos intervalos. Fui para debaixo do chuveiro. A casa toda dormia. Eu senti muita necessidade de ficar sozinha, de me entregar ao trabalho de parto sem ouvir sons, conversas, perguntas, vozes. A água quente aliviou bem as dores e a minha vontade era de ficar sentada num banco bem baixinho. Fui até o quintal (a madrugada era muito fria), peguei o balde de água do Farofa (o nosso cachorro), virei de ponta cabeça, cobri com uma toalha e lá estava meu banquinho, numa altura perfeita. Fiquei horas no chuveiro. Meu movimento natural era o de relaxar o máximo possível da cintura para baixo. Quando vinha uma contração, eu colocava todo o meu peso nos braços e relaxava quadril e pernas. Lembrava a todo instante de relaxar a língua dentro da boca e de evitar apertar os dentes. Um trabalho de visualização também foi fundamental, tenho certeza de que me ajudou muito. Eu ficava imaginando meu colo se abrindo e o Caetano se posicionando, descendo. Tudo com muita calma. Ai, só de lembrar me dá um arrepio danado. O momento foi especial demais, de pura entrega. Depois de tanta tensão, de tanta energia pesada, eu conversava com Caetano muito tranqüilamente e o processo acontecia de maneira muito serena. Meu menino estava pronto e me dizia isso na maior calma. Não senti medo e a ansiedade foi embora. O que prevalecia era o deslumbramento por ter chegado o momento de, enfim, conhecê-lo. As informações técnicas também não tiveram muito espaço...não me lembrei de cronometrar as contrações, não me lembrei de que o chuveiro poderia desacelerar o trabalho de parto...não pensei em nada disso. Meu corpo mandava e eu obedecia. Só.


Ás 6h da manhã resolvi acordar o Allan e minha irmã. Eu ficava entrando e saindo do chuveiro. Não senti vontade de caminhar ou de me movimentar muito. Quando as contrações vinham eu precisava me abaixar, me acocorar e relaxar o quadril e as pernas. Isso sim me aliviava. Eu sentia que o trabalho evoluía rápido, já imaginava que minha dilatação seria avançada. Às 7h a Fabi chegou. Me perguntou a quanto tempo eu estava debaixo d'água e eu, com os dedos enrugados disse “ fiquei a madrugada inteira”. Ela achou melhor que eu saísse, para não correr o risco de parar o trabalho de parto. Eu saí, fui para a bola, recebi massagens e uns apertões.


Minha irmã fotografava tudo. Num determinado momento comentei com a Fabi que sentia muita fome, e ao mesmo tempo um certo enjôo que me impedia de comer. Aí ela sugeriu de fazermos um exame de toque para verificar a evolução do trabalho, que acreditávamos estar sendo rápida. Foi o primeiro exame dela e um momento muito engraçado. A Fabi pegou seu celular, ligou para o Matheus (seu marido e médico pediatra) que a ensinava a interpretar o exame de toque, enquanto sua outra mão já estava dentro de mim. Ela dizia “Matheus, eu sinto uma bolinha. Ah! É a bexiga? Tá. Agora eu venho aqui, abro os dedos e....”. Ela desligou o telefone e disse “Mari, eu não sei exatamente qual a dilatação, mas minha mão está sambando aqui dentro!”. Era hora de nos encaminharmos.


Como havíamos planejado, cheguei no CAISM com dilatação avançada. 8 dedos. Logo no primeiro toque que fizeram, minha bolsa estourou. Líquido clarinho. Ufa! outro alívio. A partir daí, as dores ficaram bem mais intensas e instantaneamente comecei a sentir os puxos involuntários e uma vontade de ir ao banheiro. Fui levada às pressas para a sala de pré parto. O clima do hospital já se impunha e ameaçava comprometer toda aquela calma que eu vivia em casa. Durante todo o tempo Allan e Fabi ficaram comigo, o que foi fundamental. Minha irmã, infelizmente, não pode subir conosco. Era insuportável ficar de barriga para cima sobre a maca, pois a dor se triplicava. Deitada de lado eu me sentia bem mais confortável. E assim fiquei por 20 minutos na sala de pré parto, o suficiente para monitorarem o coração do Caetano (algo extremamente incômodo quando se está no meio de uma contração) e fazerem um exame de toque. Dilatação total. Fui levada à sala de parto de cócoras. Lá, assim que cheguei já me posicionei na cadeira e assumi posição acocorada.


As contrações vinham bem fortes, hora com puxos involuntários, hora sem puxos. Após algumas contrações e uns dois toques, a residente disse que meu colo havia inchado um pouco, e que por isso, minha dilatação havia voltado a ficar em 9 dedos. Assim, desci da cadeira do cócoras e me posicionei em cima de uma maca, a Fabi sugeriu que eu ficasse de quatro com o quadril erguido (para o bebê voltar um pouco e parar de pressionar o colo) e essa era mesmo a posição que eu queria assumir. As enfermeiras acharam estranho e ficaram com receio da maca, com os pés de rodinha, andar (?!). Mal ouvi-las. Me posicionei do jeito que queria (pelo amor de deus. 5 pessoas na sala não são capazes de segurar a maca para mim?) e logo voltei a sentir puxos fortíssimos. Neste momento eu me assustei um pouco. Não tinha noção da força com que vem esses puxos. É algo de se contorcer mesmo, uma força que vem do centro do corpo, uma coisa totalmente nova. Olhei para o Allan (acho que com cara de susto) que veio na minha direção, se agachou e gentilmente esperou que eu esmigalhasse a gola da sua camiseta, tamanha dor. Outro toque. Dilatação total novamente. Voltei para a cadeira. A partir daí Caetano descia lentamente e eu começava a sentir o anel de fogo. É algo incrível. A dor mudou de categoria (mas continuou fortíssima) e eu finalmente entendia o que li em tantos relatos: “parece que a gente vai rachar no meio”. É, pareceu mesmo. No entanto, aquilo estava demorando demais para a minha (antiga) concepção de expulsivo. Eu achava que a partir da dilatação total, ele nasceria, no máximo, em 5 contrações. Mas não foi assim que aconteceu. Depois da 20º contração e eu fazendo força, comecei a entrar na paranóia do tempo e a ficar ansiosa: “quanto falta para tudo isso acabar, meu deus?!”. Percebi que as contrações ficaram mais espaçadas e isso me preocupou um pouco. Se não fosse a Fabi e o Allan ao meu lado, me apoiando, me incentivando, acho que teria saído correndo pelos corredores ou batido a cabeça na parede. A cada contração eles apertavam meu quadril, um de cada lado, e isso era ótimo, diminuía muitíssimo a dor. Os puxos vinham e eu fazia muita força. Não senti vontade de gritar, urrar, xingar. Acho que meu parto foi até silencioso. Foram nas últimas contrações que o Allan veio me segurar por trás. Aí eu deixei de usar os braços para me sustentar e concentrei toda minha força no ventre. Passei a sentir eficiência na minha força. Caetaninho descia rapidamente e foi de sopetão que ele veio para fora. Numa única contração eu fiz tanta força que cuspi o pequeno de uma só vez. Hoje, revendo os fatos, acho que a força que eu fazia na últimas contrações foram muito mal conduzidas. Caetano saiu de uma só vez e isso me rendeu uma laceração. Pequena e superficial. Levei 3 pontos. Ele nasceu muito tranqüilo (era 11:30h). Não chorou, veio imediatamente para o meu colo e ao ouvir minha voz (que só fazia dizer “meu deus! meu deus!”), abriu os olhinhos e me fitou. É indescritível. Senti o choro emocionado do Allan e juntos demos as boas vindas à nossa cria. Caetano logo deu aquela mamadinha desengonçada, meio sem jeito, mas super importante, para ele e para mim. A placenta saiu logo depois, sem nenhum problema. A pediatra o levou logo (outra chatice) pois achou ele roxinho demais. Seu apgar foi 7/9. Seu peso 3,5Kg e sua altura 52cm. Um bebê grandão. Lindo de morrer, ou melhor, lindo de nascer. Não autorizamos nenhuma injeção, colírio ou o escambau.


Caetano tinha então, supostas 42 semanas. No entanto, após seu nascimento, uma surpresa: o teste capurro deu 39 semanas e 2 dias. Ou seja, ele estava no tempo dele. Quando o Allan me disse isso, eu nem consegui falar nada. Dei um sorriso interno, me enchi de orgulho próprio e agradeci aos céus por ter esperado, por ter sido teimosa. Eu sentia um calor enorme dentro do peito. Se tivesse feito a indução, Caetaninho nasceria no limite do que se considera um bebê pré-maturo. E eu demoraria algumas encarnações para digerir tamanha violência.
O nascimento do Caetano foi algo transformador, a coisa mais incrível que já me aconteceu. Foi também o momento do meu nascimento como mãe. Nascemos os dois. O parto é uma oportunidade de se reinventar, redescobrir (uma mulher forte!) e de se auto-criticar intensamente. Da minha família (exceto irmãos) não ouvi um pedido de desculpas ou mesmo uma parabenização. Logo após o nascimento do Caetano meus pais foram avisados e chegaram no hospital pouco tempo depois. Meu pai estava tão furioso que mal cumprimentou meus amigos e inclusive o Allan; isso eu soube depois, pela minha irmã, e me deixou profundamente magoada. Minha mãe ficou pasmada (indignada) com o fato de eu não ter tomado analgesia. E só (além de babarem no neto surpreendentemente sadio, é claro). As feridas que ficaram dos meus últimos dias de gestante e primeiros de pós-parto agora começam a cicatrizar. O tempo se encarrega de quase tudo na vida. E eu gosto de encarar os acontecimentos como aprendizados. Se por um lado me magoei, por outro fortaleci laços internos, minha relação com Allan e, em especial, a capacidade de compreender o meu filho, de respeitar os seus momentos.


Bom, apesar dos pesares minha experiência de parto num hospital público foi muito positiva. Durante toda a gestação eu sabia que deveria contar com a minha sorte em encontrar, no dia do parto, uma equipe legal, que de fato me encorajasse ao parto de cócoras. E assim foi. Encontrei uma equipe só de mulheres e fui muito bem tratada. A residente que acompanhou meu parto se manteve muito calma, me dizia palavras de encorajamento e em nenhum momento se referiu às minhas opções com desdém. Somente depois do parto, quando ela tirou a máscara, percebi que ela foi a médica que tentou me internar pela primeira vez, para que fosse feita a indução. E ainda assim, sua postura foi bem tranqüila.
Concluindo. Posso dizer que fiquei bastante satisfeita com a atuação do grupo do parto alternativo no hospital da Unicamp. Acredito que esta é uma iniciativa bastante legítima e acho ótimo poder contar com ela num contexto de saúde pública. No entanto, se meu parto fosse hoje eu repensaria minha escolha. Meus próximos filhos certamente nascerão em casa. Com ou sem grana, Caetano vai ter a oportunidade de ver seus irmãos chegando ao mundo, de presenciar o milagre do nascimento. Porque se isso aqui, que hoje se delicia no meu peito não é um milagre, então eu não sei o que é.



A felicidade de ter tido uma experiência de parto bastante positiva eu compartilho com pessoas queridas que me ajudaram, se fizeram presentes e muito solidárias. Primeiramente com o Allan, companheiro lato sensu e pai babão, que segurou a barra de me ver em desespero por algumas vezes, que trouxe à tona uma calma muito gostosa de sentir e que é dono do abraço mais caloroso que eu conheço. Sem ele, certamente meu relato seria outro. Com a minha irmã querida, Tarsila Portella, aprendiz de doula, fotógrafa paparazzi e parceira nos momentos mais difícies. Ela sabe ouvir, sabe aconselhar, sabe até massagear a minha lombar no meio de uma contração. Essa menina é demais! Com a Fabi, minha doula e grande amiga. Respeitou minhas decisões e me apoiou muito. Com suas mãos delicadas e intensas me trouxe muito alívio e conforto. Com a Anne, companheira de casa e amiga do coração, torceu junto conosco e soube disfarçar sua própria ansiedade, para que essa não viesse aumentar a minha. Com a Ana, outra amiga querida, bruxa no melhor sentido da palavra. Acompanhou minha gestação intimamente e me ajudou a colocar em ordem um outro plano de existência, a me conectar com as forças da natureza e a dar às mãos aquela mulher selvagem que tanto gritava. Às maternas meu agradecimento é especial. Mulheres guerreiras, que com suas estórias semeiam atitude, empoderamento e deslumbre. À Ana Paula, Dani Garbellini, Maria Carol, Ana Cris, Dorothe e Leyla, um beijo enorme, cheio de gratidão.

Mariana de Oliveira Portella
Campinas, 28 de Outubro de 2008.

9 comentários:

  1. Mon!
    Foi incrível participar desse momento com vcs...
    Nunca vou me esquecer desses dias tão especiais.
    Vc é uma mulher de fibra e eu tenho muito orgulho de ser sua irmã.
    Amo muito vcs e morro de saudades.
    É nóis!!

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  2. Entrei por acaso no seu blog e me envolvi em sua história. Você é muito forte e corajosa, a cada momento percebi que você amadurecia e estava mais preparada para ser mãe. A gravidez é um assunto que me assusta muito e eu não sei como eu vou enfrentar esse momento. Suas descrições me mostraram a calma e a força interna que necessitamos. Tenho que trabalhá-las para sair vitoriosa dessa experiência única que é ser mãe. Me emocionei com o relato e desejo muita saúde e felicidade para a família e para os que virão.

    Um grande abraço,

    Fernanda

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  3. Também entrei por acaso no seu blog. Você escreve muito bem e as fotos são lindas, complementaram perfeitamente o texto. Parabéns por sua linda família, que Allah abençoe-os.

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  4. lindo relato!
    a mulher selvagem não se engana nunca...e vem para nos abrir os braços na hora mais escura.
    muita luz pra vcs e caetaninho.

    fafi prado

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  5. Também fiquei emocionada! Lindo relato de parto! E é o que estou precisando neste momento: 40ª semana de gestação e ansiosa para que o meu bebê não passe do tempo... A pressão externa é grande. Tenho que ficar dizendo o tempo todo: "Calma, gente, dá tempo! A semana ainda não terminou." Também lutei até aqui por um parto natural (troquei de obstetra 3 vezes) e desejo ser protagonista do meu próprio parto. Acho que vou ler e reler seu relato, pois ele é encorajador. Parabéns pela linda família! Tudo de bom! Paula.

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  6. Parabéns, fiquei orgulhoso de vocês.

    R.

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  7. Parabéns, enriquecedor demais! Mamifero demais!
    Caroline

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  8. Ai Mari, chorei... Que coisa linda, que mulher loba inspiradora vc é. que bom ter vc por perto nessas horas... bjs Maira

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  9. Em poucas palavras e algumas lágrimas, PARABÉNS!!!! Estou a esperar por 41 semanas e 4 dias e acho que ler o seu relato, me senti acolhida, pois é incomodativo demais nadar contra a corrente. Pelo menos me sinto em vantagem pelo fato de ter o apoio de toda minha família, inclusive pela opção de parto domiciliar. Que as forças positivas do universo abençoem sua família.
    Parabéns,
    Priscilla Bezerra.

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